sexta-feira, 20 de novembro de 2015
domingo, 11 de outubro de 2015
domingo, 26 de julho de 2015
Ainda
me lembro do dia em que Mabelle virou um jorro de tinta. Leve assim, se desfez.
Misturando-se às matizes do dia, gota a gota, segundo por segundo. Levando consigo
a alegria daquele veraneio que acabava de se anunciar. No céu, aquele azul
claro, e no ar, aquele cheiro agridoce. Era o mesmo lugar de outrora, e ela com
o mesmo ar de sempre. Eu chegara sem avisar, assim de surpresa, vagarosamente,
com medo de desmanchar aquela imagem tão perfeita, cuidadosamente planejada. Sentei-me
então ao lado dela que parecia estar horas naquela posição imóvel. Ficamos sentados
no degrau daquela mesma escada, do pequeno casebre em que ela dizia que morava,
mudos naquele silêncio que sempre imperava por ali. Esperei pela primeira
palavra que ela diria, mas senti que esperei demais.
Nada
havia para fitar naquele espaço exageradamente iluminado. Olhei para meu coturno,
como se aquela fosse minha última vontade. Cada folha seca que caia ao chão era
como um grito mudo. Não sei por que, mas olhei para Mabelle naquele instante. Aqueles
olhos de pedra, inexpressivos. Fios de cabelo acinzentados que o vento gélido
jogava em minha direção. Pensei em toca-la, mas sabia que ela se partiria ao
menor toque de minha mão. Como num prenúncio, senti que ela estava mais fria do
que o normal. Exageradamente pálida. Seus olhos eram o reflexo de um vazio que
eu só encontrava em mim. Fiquei ali quieto, como se esperasse por algo,
sentindo o orvalho que caia como uma brisa, as gotas de chuva que já ensopavam
meu casaco.
E
assim foi tão instantâneo que eu nem percebi. Preferi nem pensar. Não sei por
que ela partira daquela forma. Foi-se de vez. Desprendendo-se de si mesma, era
uma grande mistura de cores. Tons frios. Um pouco de cinza, amarelo, azul,
verde. Tudo misturado ao mesmo tempo, escorrendo degrau por degrau escada
abaixo. Um borrão de tinta fresca que se unia àquele inverno presente em pleno
verão. Como se quisesse mostrar à tempestade a sua ausência. Mabelle partira, e
as ventanias matinais que agora sacudiam o cenário geral, tomaram o seu lugar. Um
frio repentino parecia também querer congelar tudo. Árvores frondosas se
debatiam frente a mim. Quando eu vi, a enxurrada que se formara levara tudo embora,
não se via mais cor alguma; era como uma destruição mútua.
Então,
como num pressentimento, eu precisava sair dali. Fugir daquela mentira, daquele
lugar que não pertencia mais a mim. A paisagem se transformava como um quadro
bagunçado pelo tempo. Meus olhos não percebiam mais nada. Ventos de todos os
lados me distraiam, e sonhos exagerados conversavam comigo. Cada tábua daquele
casebre agora tinha sua música própria. Vasos tombavam e eram arrastados
também. Janelas disformes se debatiam sem parar, até que uma se soltou e caiu,
lançando lascas de madeira por todos os lados. Continuou assim, até que o tudo
se transformou num turbilhão de sons, imagens e gotas. Gotas únicas. Disformes.
E bélicas no seu sentido mais obtuso. Tentei parar, mas entrei numa espiral de
memórias e ali fiquei. Nem ao menos tentei saber se Mabelle voltaria. Se fosse
pra ser assim, que fosse então.
A
guerra me trouxera o que existe de mais incrível em cada canto escondido por
aí. Mas por maior que seja o tempo, eu jamais me esqueceria do dia em que
Mabelle se tornara um jorro de tinta. E assim, consigo levara minhas dúvidas, e
marcara em minha pele a sua presença de tantas horas. No fundo, eu sabia que
suas lágrimas faziam parte daquela tempestade que viera trazer um novo cenário,
novos prismas de cor. Uma pequena destruição que trazia grandes mudanças. Pequenos
fragmentos de felicidade que se irradiavam em cada canto. E que, de qualquer
modo, já pertenciam a mim.
Camila Carelli
domingo, 19 de julho de 2015
A Hora da Verdade
O tempo é constante e só para do
lado de fora do prédio. Tu ficas na sacada a olhar para o horizonte cinzento e
que desabrocha pra dentro da tua janela, escurecendo e sujando tudo, como se a
tua vida fosse a tinta que borrou o quadro certo há muito tempo. E a gente vai
assim, Guarnieri, andando a passos largos, tentando compreender o que acontece
na balbúrdia da cidade central. E tu ainda na sacada, praguejando contra o
universo, como se alguém lá embaixo, um pouco mais ao longe, tivesse que
assumir a culpa pelos teus erros. Mas não é assim. Existe um tempo certo, e
quanto mais tu persegues a fórmula ideal, mais tu te perdes. Eu te ajudei a
tentar apagar os enganos que vieram com os acertos; deixei-os simplesmente
abandonados a um canto, naquele pedaço da memória que rezamos para que esteja
sempre ausente.
Mas é estranho, Guarnieri, quando
a gente para um segundo pra pensar em cada coisa que nos rodeia. É como se cada
detalhe lá fora guardasse um pouco da tua culpa, e insistisse em empurrar tudo
novamente janela adentro. E tu sabes, Guarnieri. Estamos ambos subitamente
suspensos, tão mais errados ou certos do que cada objeto dentro da tua morada. E
agora de nada adianta esse teu jeito de ser, de quem está sempre aquém da
própria realidade; de quem tenta se encaixar na própria roupa e que não resiste
a se embebedar com a tinta que escorre por dentre teus dedos.
Por que, no último segundo, tudo
sempre dá errado. Tu me puxas pelo braço, tentando me fazer entender o teu
silêncio mudo. Mas eu já te expliquei que não vai adiantar tu ficares trancado
na sala ou ficar vagando pelas ruelas vazias e úmidas com o intuito de ser
esquecido por todos. Pois, ainda sim, haverá olhos em cada esquina e sombras no
teto do teu quarto a te cobrar pelas migalhas que tu jogaste fora ou que tu
negaste a compartilhar. Será sempre assim, até chegar a hora da verdade que só tu
conheces.
Infelizmente, é assim. Mas por
mais difícil que seja o caminho, Guarnieri, não significa que não tenha uma
saída. Talvez seja apenas questão de esperar pacientemente na próxima esquina. Mas
não. Ah, Guarnieri, se eu fosse tu, jogava tudo pro alto. Subia na ponta dos
pés e ameaçava me jogar lá de cima. Apostava alto toda a miséria da tua
fortuna. Pois, talvez assim, uma resposta coerente resolva se aproximar. Restam
as dúvidas, e toda a confusão que vem lá de cima. Pensando assim, me recorreu
uma ideia: não sei se tu reparaste, mas parece que está todo mundo girando pro
mesmo lado. E se a gente resolvesse girar pro lado contrário, Guarnieri?
Camila Carelli
domingo, 7 de junho de 2015
É
a essa hora que as cores se fundem num tom só. Quando a neblina se ilumina e
então você vê as verdades que estavam escondidas até então. Tudo se renova, mas
é como se não fosse possível. Novos coágulos de luz se formam no horizonte e a
voz da esperança ecoa em grandes ondas exageradamente barulhentas. E chega até você,
que então percebe que a fé pode ser maior do que tudo. Instantaneamente, você
para. Mas, no fundo, sabe que nenhum segundo pode ser perdido.
Abraços
de solidão vêm até você, que, com um simples gesto, os renega. Aqui não há
espaço para a desesperança: um plano de ação vem após cada tropeço. É como se a
velocidade fosse a regra maior, e a penumbra dos pormenores não significasse
mais nada. Por que quando se decide ir em frente não se pode mais voltar atrás.
É uma decisão e pronto. Agora nuvens indecisas vieram e eu não ouso dizer o
porquê. Nem a pior tempestade pode abalar o que já foi construído. A única
coisa que eu posso dizer é para que continue assim até se sentir como uma bala
de metralha, disparada e inatingível. Siga assim, e vai ver como a felicidade
não é apenas uma mera metáfora. Crie situações, reinvente seus princípios,
mostre ao mundo o que você pode fazer de melhor. Até que devolverão tudo o que
você sempre pediu.
Mas
é preciso esperar a cadência de cada segundo; observar a nuance de cada cor. Virar
o espelho para o seu interior e refletir a respeito do que não está sendo
feito. Ser ousado também faz parte do teatro. Meias palavras não interessam;
aqui o que não está por inteiro não faz parte. Não faça perguntas, apenas aja. Transforme
o impossível em simplesmente palpável. Seja a sua maior verdade, tão leve
quanto um balão subindo pelos ares.
E
deixe que o mais alto raio de sol se torne parte de sua existência. Transforme seus
sonhos em ordens a serem cumpridas. E então você vai perceber que ninguém vai
precisar lhe indicar o caminho. Por que, no fundo, você já sabe.
Camila Carelli
domingo, 31 de maio de 2015
Do
Alto do 3° Andar
Subir... Subir...
Subir... E depois repentinamente cair. Entristecer-se como quem repudia o modo
como a Lua se esconde detrás das nuvens. Isso parece tu, Guarnieri, quando te
esqueces do real espaço que rondeia teus lábios. Isso torna o teu sorriso
exageradamente largo, e os olhos estreitos a cada palavra que eu insisto em
dizer. E tu desceste para o andar de baixo só por que eu sentei no teu sofá sem
pedir licença. E assim as horas se arrastaram como aquele pedaço de esperança
que se desfia dentre os teus dedos sem que tu ao menos percebas.
Sim, esta era a
realidade, feita de pó sereno e muitas sombras escondidas detrás das cortinas. E
depois fumaças rondeando os beirais das portas. E um silêncio muito escuro
adentrava a sala toda vez que tu entravas ou saias. Tu precisavas sair,
Guarnieri, pra decidir quem iria ficar ou sair. Pois a tua decisão não cabia
comigo dentro daquela sala. Mentira, tudo mentira. Os andares trocaram de lugar
desde a última vez que eu estivera ali? Talvez não, mas a insatisfação continua
a te transbordar como nunca.
Sim, e daqui eu
te vejo arrastando contigo todo o pó seco, as sombras apagadas e as mantas de
solidão. Algo em ti não se manifesta como todo o resto. Tu gritas, mas ao mesmo
tempo não percebes. A vida que vibra do lado de fora não se importa com os
moradores deste prédio, Guarnieri. Isto aqui não é uma morada, e sim apenas
lados distintos de uma mesma realidade. Assim como a moeda pendurada no teu
peito. E tu nem ao menos sabe morar dentro da tua própria casa.
No entanto, eu
fiquei ali observando as tuas tentativas de dizer algo. Repentinamente,
exalando aquele ar resoluto, mas comedido, tu saíste porta afora. O silêncio,
então, voltou retorcendo tudo ao redor. Tu agias como se três andares pudessem
fazer toda a diferença, mas eu sabia que não.
Camila Carelli
quarta-feira, 13 de maio de 2015
domingo, 19 de abril de 2015
Estava eu, daquela forma irregular
e confusa, andando vagarosamente ao lado da borda da linha do trem,
arrastando-me em direção ao caos. A guerra já havia me deixado há muito tempo,
mas eu sentia que a paz repousante ali me machucava muito mais. Meus olhos agora
se acostumavam com as cores novamente, com o mato verde vivo que ladeava a
estrada, cheio de macegas e árvores frondosas. O chão de terra batida não se
mostrava tão seco, e o ar que eu respirava se mostrava tão puro, que meus
pulmões pareceram dobrar de tamanho. Eu ia em frente, não me preocupando para
onde eu estaria indo. Meus pensamentos estavam calmos, mas ao mesmo tempo eu me
perguntava se não seria eu a pessoa errada; talvez o caminho certo não fosse
por ali. Mas naquela altura, qualquer questionamento, qualquer “talvez” era irrelevante.
Parei por ali mesmo, descarreguei meu fuzil das costas, que agora não parecia
tão pesado. Esperei. Tudo aquilo era como uma poesia robusta. Seria meu destino
ser parte daquele desalinho?
E foi assim que surgiu diante dos
meus olhos, já interrompendo qualquer ideia aleatória, uma figura se arrastando
por ali, saindo do meio do mato alto. Por um instante fiquei em dúvida, mas
logo conclui que era Mabelle. Os cabelos cinzas, como as achas, não deixavam
dúvida. Ela veio até mim, o vestido surrado, pálida, sem dizer uma só palavra. Olhei
para ela, e logo pensei que ela estivera escondendo toda a destruição por baixo
daquela imensidão verde. Ficamos assim, parados um ao lado do outro, totalmente
imóveis. Eu sabia, no fundo, que a presença dela ali representava alguma coisa;
talvez algo que o futuro viria a me mostrar. Procurei pelo horizonte, e achei
um sol que já estava se pondo. Já sabendo que teria que achar um caminho de
volta, dei uma última olhada ao meu redor: achei estranho que ainda houvesse
algo tão bonito no mundo.
Camila Carelli
sexta-feira, 3 de abril de 2015
sexta-feira, 20 de março de 2015
A Morada de Mabelle
Ao amanhecer, era como se centenas de balões vermelhos tivessem subido aos céus; lançados assim, aos montes, por mãos inocentes que agora não podiam tocar nada a não ser aquela terra erma e fria. Fiquei minutos olhando para aquilo, fixamente, perdido entre os minutos e as horas que passavam cada vez mais devagar. E então, simplesmente decidi. Como alguém que abandona a cena do crime, me retirei rapidamente dali e decidi que iria encontrar Dona Mabelle. Sábias decisões são tomadas num instante. Mas logo, eu não teria tanta certeza daquilo.
Atravessei a floresta despedaçada sob um céu repleto de
nuvens tristes e esbranquiçado, como se feito de gelo. Parecia que sabia dos
desastres que aconteciam ali embaixo. E assim fui, em passos largos, até que
cheguei a uma trilha tortuosa e muito estreita. Segui-a até o final. Quando
parei, lá estava eu defronte uma choupana de madeira, um tanto torta, um tanto
perdida. Fiquei confuso, mas sim, só podia ser ali a tal morada da qual ela me falara
da outra vez.
Nada havia ali de solitário. Nem de assustador. E muito
pouco romântico também. Fiquei surpreso com a clareza da própria realidade que
ali se encontrava. Cores quentes. Uma mistura de tragédia e esperança que fazia
o vazio despencar aos montes. Raios de sol corriam diante de meus olhos e uma
brisa suave acordou-me para a umidade tão presente ali. Gotas de orvalho
percorriam as trincas da parede, e torrões de terra manchavam o branco puro da
morada. Fiquei esperando algum tempo, até que decidi verificar se Mabelle
realmente estava ali. Subi os degraus curtos e tortuosos enquanto um cheiro
forte de tinta impregnava todo o ar. Era tinta e não cloro. Percebi ali, então,
que a casa era muito menor do que parecia: na verdade, era mais como um borrão
colorido.
Dei três passos adiante, e quando entrei na casa, o frio da
cozinha enregelou meus pensamentos. Eu não esperava por aquela visão cinza,
como se um tornado estivesse ali dentro também. Então, na sombra do canto
direito, vi seu semblante calmo, com aqueles olhos entristecidos por um acaso
qualquer. Era ela e não eu. Grãos de pó se espalhavam pela mesa ao centro. Dona
Mabelle era a transição da morte para a vida. Estava ausente e seus olhos sem
brilho. Contei alguns minutos e a noção do tempo me abandonou de vez.
Foi aí que seus olhos grandes e opacos se levantaram para
mim, e anunciaram que estavam me vendo pela primeira vez. Senti uma paralisia
inebriante como se ela trouxesse a verdade naquele instante. Um sussurro frágil
e mínimo irrompeu-se de sua garganta:
-Venha, Guilherme. Vamos lá pra fora...
Ela passou por mim tão translúcida quanto um fantasma.
Sentei-me junto a ela no degrau da escada enquanto estacas de madeira rangiam
sob nossos pés. Ficamos assim por instantes a contemplar aquele colorido
obtuso. E foi aí que se fez. Ela não me perguntou nada, mas eu contei-lhe tudo
mesmo assim. Esvaziei o vazio que havia dentro de mim. Corri por todas as
memórias que eu tinha, e ela me disse, daquele jeito mudo, repleto de sílabas
silenciosas, que apenas sentia saudade. Desatei a falar sobre o cansaço, as
horas em que eu ficava no mesmo lugar, sobre como eu queria abandonar tudo
aquilo. Quando parei, percebi que ela estava quase ausente. Agora sombras
aproximavam-se de mim pelos flancos, o sol esquentava cada vez mais e o
silêncio se tornava definitivamente desnecessário. Ela então se moveu,
desnudando toda a sua fragilidade, e eu fingi que não percebi. Uma mudança
significante parecia começar logo ali. E foi assim, já se esvaindo, se tornando
parte novamente daquela poeira mundana, como se percebesse meus anseios a
respeito do abandono total, foi que ela sussurrou ainda mais baixo do que
antes:
-Mas você não pode, Guilherme...
Camila Carelli
quinta-feira, 12 de março de 2015
"Nada havia ali de solitário. Nem de assustador. E muito pouco romântico também. Fiquei surpreso com a clareza da própria realidade que ali se encontrava. Cores quentes. Uma mistura de tragédia e esperança que fazia o vazio despencar aos montes. Raios de sol corriam diante de meus olhos e uma brisa suave acordou-me para a umidade tão presente ali. Gotas de orvalho percorriam as trincas da parede, e torrões de terra manchavam o branco puro da morada. Fiquei esperando algum tempo, até que decidi verificar se Mabelle realmente estava ali. Subi os degraus curtos e tortuosos enquanto um cheiro forte de tinta impregnava todo o ar. Era tinta e não cloro. Percebi ali, então, que a casa era muito menor do que parecia; na verdade, era mais como um borrão colorido."
Trecho do capítulo "A Morada de Mabelle"
Camila Carelli
domingo, 15 de fevereiro de 2015
"A calmaria
chegou até ele como uma cruz cravada em seu peito. Foi tudo ruindo
vagarosamente, como se provocado por um efeito dominó. Logo não existiam mais
as casas, ladeadas por estreitas calçadas, e nem ao menos a balbúrdia dos
comerciantes e transeuntes que antes por ali ficavam. Acabaram-se as luzes, a
música, e os coretos de domingo. Aquilo sim era uma cidade cinza e adormecida. E
assim ele percebia através de seus olhos castanhos, como a paz também podia ser
um tanto opressiva, e por vezes, solitária.
Estava ali,
parado em pé, quieto, apenas sentindo a brisa correr por seus cabelos, enquanto
analisava o imenso silêncio que havia dentro de si. Um silêncio que gritava por
socorro. Sentia-se perdido dentro de si mesmo, como se tivessem tirado seu
propósito de vida. Vendo tudo aquilo concluiu que se chegara até ali era graças
a um milagre. Queria saber para onde tinham ido as explosões, os clarões, o
cheiro de pólvora e a cantoria dos fuzis. No fundo, não sabia o que pensar e
nem o que sentir. Apenas queria sair correndo e voltar para a batalha, pois se
fosse pra morrer que morresse então lutando por algo.
Era muito louco
tudo aquilo: quando se achava uma razão, algo logo se perdia de novo. E assim
ia. Cada minuto ia ficando cada vez mais insuportável, como se o obrigasse a
lembrar-se dos seus companheiros mortos em combate. Dezenas deles, aliás. Então,
cansado de tantas lembranças que não serviam de nada, sentou-se no momento
seguinte, já fatigado pelas horas sem propósito. E por incrível que pareça não
se sentia culpado. Não havia motivos para isso, pois se sentia um pouco morto
também. E assim o tempo ia se arrastando, e a noite se aproximava como um lobo
faminto. Densas nuvens faziam o céu ficar carregado e pequenas gotículas de
chuva começavam a cair. Assim, resolveu deixar-se influenciar pelo escuro que
vinha até ele, abraçando aquele infinito que era só dele. Acendeu um cigarro, e
resolveu não pensar em mais nada.
Aprendera que a esperança chega nas horas
mais inoportunas."
Camila Carelli
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015
Arco-Íris e Infinitos
Você não sabe, mas existe algo muito
maior do que o infinito e algo muito mais exato do que os cálculos matemáticos.
E isso quer dizer que talvez você encontre a resposta para a sua pergunta mais
sombria no final do arco-íris que corre todo o horizonte detrás da sua casa. Ou
talvez não. Talvez você passe o resto da vida se perguntando a respeito dos
porquês e dos acasos. E conclua assim que os vazios são diferentes; sim, o meu
vazio é diferente do seu... E não é por que é vazio que não pode ser colorido.
Tão
vazio quanto o arco-íris que surge diante dos seus olhos nesta manha tão breve.
Tão ilusório quanto verdadeiro. E assim a vida vai correndo em passos apertados.
Se cada segundo é tão breve então por que tantas dúvidas? Você tem ao menos certeza
das suas dúvidas?
Sim,
essa abundância de cores é apenas reflexo daquela dor aguda e pouco passageira.
E que trás a vontade de se fundir à tinta colorida dos céus toda vez que ela
insiste em aparecer. Mas é assim e pronto. Um pouco confuso para quem já chegou
ao final e um tanto mais angustiante para quem ainda está no começo.
No
entanto, a vida talvez seja apenas isso: um colapso de dúvidas e tormentos. A metade
de um dia que demora a chegar, e que, no fim, termina em infinitos e aleatórios
arco-íris.
Camila Carelli
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