domingo, 19 de julho de 2015


A Hora da Verdade

O tempo é constante e só para do lado de fora do prédio. Tu ficas na sacada a olhar para o horizonte cinzento e que desabrocha pra dentro da tua janela, escurecendo e sujando tudo, como se a tua vida fosse a tinta que borrou o quadro certo há muito tempo. E a gente vai assim, Guarnieri, andando a passos largos, tentando compreender o que acontece na balbúrdia da cidade central. E tu ainda na sacada, praguejando contra o universo, como se alguém lá embaixo, um pouco mais ao longe, tivesse que assumir a culpa pelos teus erros. Mas não é assim. Existe um tempo certo, e quanto mais tu persegues a fórmula ideal, mais tu te perdes. Eu te ajudei a tentar apagar os enganos que vieram com os acertos; deixei-os simplesmente abandonados a um canto, naquele pedaço da memória que rezamos para que esteja sempre ausente.

Mas é estranho, Guarnieri, quando a gente para um segundo pra pensar em cada coisa que nos rodeia. É como se cada detalhe lá fora guardasse um pouco da tua culpa, e insistisse em empurrar tudo novamente janela adentro. E tu sabes, Guarnieri. Estamos ambos subitamente suspensos, tão mais errados ou certos do que cada objeto dentro da tua morada. E agora de nada adianta esse teu jeito de ser, de quem está sempre aquém da própria realidade; de quem tenta se encaixar na própria roupa e que não resiste a se embebedar com a tinta que escorre por dentre teus dedos.

Por que, no último segundo, tudo sempre dá errado. Tu me puxas pelo braço, tentando me fazer entender o teu silêncio mudo. Mas eu já te expliquei que não vai adiantar tu ficares trancado na sala ou ficar vagando pelas ruelas vazias e úmidas com o intuito de ser esquecido por todos. Pois, ainda sim, haverá olhos em cada esquina e sombras no teto do teu quarto a te cobrar pelas migalhas que tu jogaste fora ou que tu negaste a compartilhar. Será sempre assim, até chegar a hora da verdade que só tu conheces.

Infelizmente, é assim. Mas por mais difícil que seja o caminho, Guarnieri, não significa que não tenha uma saída. Talvez seja apenas questão de esperar pacientemente na próxima esquina. Mas não. Ah, Guarnieri, se eu fosse tu, jogava tudo pro alto. Subia na ponta dos pés e ameaçava me jogar lá de cima. Apostava alto toda a miséria da tua fortuna. Pois, talvez assim, uma resposta coerente resolva se aproximar. Restam as dúvidas, e toda a confusão que vem lá de cima. Pensando assim, me recorreu uma ideia: não sei se tu reparaste, mas parece que está todo mundo girando pro mesmo lado. E se a gente resolvesse girar pro lado contrário, Guarnieri?
 
Camila Carelli

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