Eu sou agora o ponto distraído que tomou a noite toda. Engoli o silêncio e cada ponto de luz do que antes era uma belíssima avenida. Deflagrei o medo no cúmulo da noite, e persegui cada mínima esperança que descansava entre os cantos. Mas eu confesso a cada um de vocês que, pelo menos para quem olha para esse rosto cansado e retorcido, nada disso surtiu tanto efeito quanto as explosões de puro aço em direção ao céu. Posso ainda tentar definir o que sou neste momento, ou melhor, o que resta de mim.
Eu sou mil cabeças de ferro emplastradas de puro ódio, agulhas estilhaçadas na dor de quem nem conheci ou o apito infantil de quem tenta parar o sofrimento que anda por estas terras, ou talvez o grito de vitória que logo vai ecoar. Mas eu, sinceramente, não acredito em qualquer uma dessas promessas ditas por aí, as quais chegam ao meu ouvido como se fossem uma brisa leve, porém agudas em seu sentido absoluto. Por que nenhum daqueles homens realmente sabe, ou ao menos se interessa pelo que acontece um pouco mais abaixo dos seus propósitos cheios de ganância. E enquanto isso, eu vou retorcendo o sofrimento, e dizendo coisas inexplicáveis somente com o uso de palavras. Todo o acaso é estúpido, e as verdades estão sempre a um passo de se tornarem mentiras.
E nessa altura, eu já não sei se isso tudo é uma guerra política, ou uma luta pessoal. Uma luta feita de metais pesados, de frios matinais e noites solitárias. É assim que eu vivo, e se alguém por acaso me perguntasse se eu gostaria de voltar atrás, eu diria claramente que sim. Voltar talvez para a calma da paz, dos sonhos apaziguados e para o antigo conceito de amizade. Voltar e não ter que sentir o ponto morno de quarenta e três balaços perfurando direto o meu coração. Ou sofrer todos os dias metamorfoses contínuas, e então descobrir que estou coberto por superficialidade.
Cada mentira, para mim, é um ponto quente que me revela a incapacidade de compreender qualquer movimento ou gesto de abandono. E sei que estou cercado por palavras e suspiros nem um pouco legítimos. Mas nada posso fazer. Apenas espero pelo fim do dia, enquanto penso em cada um daqueles rostos marcados por uma angústia sem fim, e é exatamente neste momento que percebo que a morte mora no tempo presente. O meu tempo agora está acabando, e eu termino por confessar que o apontar desses quarenta e três fuzis é pura covardia. Não, eu não acho que eu mereça. Sou só uma alma predestinada, e que se recusa a morrer por qualquer enfermidade terrena. Ah, sim, e se alguém lhes disser que logo a minha pulsação salvará qualquer erro momentâneo, saibam somente de uma coisa: tudo isso é pura demagogia.
Camila Carelli
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