domingo, 28 de agosto de 2016

Cartuchos e Cigarrilhas

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Parte VI

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Eu tentei superar tudo o que estava lá do lado de fora e mostrar a mim mesmo que havia mais de um caminho. Quase fiquei parado naquela dúvida de três segundos.  Por fim, quando me dei conta, abandonei a minha casa: ou mais precisamente o terceiro andar daquele prédio fúnebre. Já fazia tempo que nada fazia sentido. Acho que passei muitas horas ali, respirando aquela poeira que entrava pela última janela.

Acho que tudo me confundia: as cadeiras jogadas, o conjunto desordenado do jogo da sala de jantar, a luz intermitente, a penumbra cega. Cadê eu no meio daquilo tudo? Eu tateava pelos cantos, até reconhecer que o reencontro é como se revirar por dentro. E encontrar aquilo que você nem sabia estar procurando. Num outro alguém, talvez. Eu tentava expulsar o sol que insistia em entrar pela janela. Não aceitava intrusos, mesmo que fosse eu mesmo. No fundo, foi só falta de pensar um pouco. Olhar um pouco mais pra baixo. Aceitar que o mundo destruiu meu sorriso inocente. Bagunçou meus cabelos debaixo da boina. Mas eu fui assim mesmo.

Quando decidi foi daquele jeito imperceptível, um tanto cruel até. Saí correndo em disparada, escada abaixo. Os degraus passavam como um filme debaixo dos meus pés. Nem contei os andares, não precisava. Desci numa espiral louca, como um fugitivo cansado de tudo. Eu precisava explicar pra alguém, mas ninguém parecia disponível. Não era contradição, nem insegurança. Era só a ausência do medo de tudo.
Quando me dei conta já estava na rua, a névoa embebia meus passos, meus pés chafurdavam nas poças frias. Fui correndo, virando becos, ultrapassando esquinas. Só parei para encostar naquele beco sujo e escuro perto de casa. Fiquei um tempo assim, olhando para cima. Não havia nuvem nenhuma lá no céu enquanto minha mão tateava meus bolsos. Foi aí que percebi o quanto estava encharcado, ao mesmo tempo em que me perguntava o quanto havia de mim em cada uma daquelas pedras imóveis, o que ficara de mim nas cinzas do meu passado.


Ninguém que passasse por ali entenderia ou me veria com aqueles olhos de quem sabe o que está subentendido. Eu era uma farsa gritando por verdades. Mas naquele momento eu era apenas eu tentando acender um cigarro.

Camila Carelli

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