Cartuchos e Cigarrilhas
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Parte II
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´Tu o conheces?` – gritou uma voz rouca no corredor em frente à sala. E eu, imediatamente, respondi: ´- Não, rapaz, porque eu desconheço a dimensão exata da minha tristeza.´
Muitos já me questionaram, durante as minhas andanças pelas ruas, calçadas e vielas desta cidade, se tu, Guarnieri, eras visível. E eu despretensiosamente sempre respondi que isso dependia, sim, dependia simplesmente do sentimento que se tinha guardado dentro do peito, se muita tristeza ou muita alegria. Ou talvez daquela solidão muda, imperceptível aos olhos alheios.
E então, Guarnieri, eu te apontava para aquelas senhoras de guarda-chuvas sombrios, em meio àquela multidão, que se movia sem rumo para um destino qualquer. E aquelas senhoras me olhavam com um ar de dúvida, como a me perguntar o quão louca eu estava. E eu te via, tentava mostra-lo àqueles jovens rapazes, às moças de vestidos rendados na base dos joelhos. E nem aquelas pequenas crianças quiseram dar ênfase à minha confusão, pois fingiram não te ver também. E sempre que a chuva caía, eu te perdia de vista. Perdia-te em meio àquela confusão molhada, lotada de chapéus, guarda-chuvas, casacos e coturnos escuros. Eu sei que tu sumias só por que era eu. Era eu, e ponto final. Tu percebias a minha respiração ofegante, os meus ombros soterrados naquele sobretudo velho e caído dum modo grosseiro, os meus cabelos desgrenhados e repartidos... Sim, tu fugias da tua realidade mais cruel.
Mas a voz sempre grita: - Tu o conheces? O que eu deveria dizer, Guarnieri? Uma mentira ou talvez uma hipótese? Nunca te esqueças, jovem: fatos são fatos e hipóteses são hipóteses... E nada transcende esta afirmação exata. A vida não pode ser uma conta exata, e as tuas realidades são apenas a continuação disso. Continuação daquilo que tu escondes, Guarnieri, porque se tu foges é por que tem algo a esconder. Encara ou resiste, mas nunca desistas. Para, talvez. Ah, Guarnieri, eu te disse que as coisas não seriam assim, daquele jeito soluçado, planejado em papel milimetrado. Porque, no fim, não é possível brincar de esconde-esconde e fingir se divertir. É necessário abrir os olhos e mergulhar nestas imensidões, nestes colapsos súbitos de quem escolhe por viver.
Guarnieri, eu só queria te encontrar e esclarecer-te que a calma e a bondade ainda estão por aqui. Joga fora de vez os cartuchos; apaga os cigarros. Para de vez. Esquece isso que insiste em ficar. E também este amor caro que custa mil notas de real, alguns euros, muitos outros cruzados e milhares de libras esterlinas.
Tu, Guarnieri, no fundo, tens medo da brevidade. Mas suspende os teus suspensórios e continua a tua viagem.
Camila Carelli